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12 de out. de 2013

Escapula

E de vez em quando ela sai correndo fingindo não ligar com nada ou por própria loucura mesmo. Dar as costas pro mundo é uma forma de anestesiar. Um antídoto para falta de amor a vida e uma dose a mais para a libertação. E ela sempre corria. Pelo menos umas duas vezes na semana. Os outros diziam que os processos ficavam lá em cima da mesa como a prova de uma pequena racionalidade, infeliz racionalidade que ainda lhe sobra. E ela vai a júri, defende, na maioria das vezes ganha a causa e volta revoltada por ter colocado mais um vagabundo na rua. 


Queria poder abandonar tudo, mas tem que cuidar dos seus filhos e parecer uma mulher interessante para o marido que pernoita no escritório fazendo sexo com a secretária. Quando chega a quer como uma boneca. Ela não gosta do sexo dele, nunca gostou e até hoje não sabe de onde tira força para acordar ao lado dele. Aos domingos, dia que costuma sair da cama mais tarde, sente náuseas. Depois que corre também sente náuseas. 
Dizem que ela é uma brincadeira do mundo que alegra os andarilhos e assusta a maioria dos seus clientes que de vez em quando a encontram andando apenas de sutiã, descalça e com o cabelo livre ao vento e mal penteado. É a forma que encontrou de suportar. A opinião alheia, a manha das crianças, a tara nojenta do marido e os olhares hipócritas dos juízes. É como ela suporta.
Prefere vomitar de enjôo da cara dos outros do que ficar sofrendo quando vai dormir. E quando ela corre é a sensação que o tempo passa mais rápido, que a vida encurta e a velhice esta chegando. Será feliz até ter pernas saudáveis para correr. Costuma dizer por aí que prefere morrer atropelada por um caminhão qualquer do que não poder mais correr e conviver com as constantes náuseas que um dia a matarão se o destino não for generoso e dar a morte por ela desejada. Às vezes ela sonha que corre. Às vezes eu também sonho que corro. As pessoas deveriam correr mais.

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